Holi festival in India - photo: Manolo Ty
Sobre a felicidade e a simplicidade
A felicidade é um dos maiores objetivos da humanidade. E não é de hoje. Ela não é só discutida há séculos e milênios pelas religiões, pela Filosofia e pelas correntes espiritualistas humanas, assim também como é um generoso desejo íntimo, de cada homem e mulher. Hora associa-se a elementos internos, outrora a elementos externos. Existe uma vastidão teórica que cerca o tema. E através de uma leitura simplista e ao mesmo tempo profunda, buscarei refletir sobre a felicidade, neste ensaio inaugural.
No Ocidente, uma das maiores referências acerca da discussão sobre a felicidade está no debate Clássico. Escolas Filosóficas Clássicas Gregas afirmaram, em linhas gerais, que a felicidade poderia ser encontrada no prazer, sendo este último dividido: o prazer físico e o prazer moral. O físico seria a satisfação das necessidades mais pessoais, íntimas e fisiológicas do ser, tais como o amor, a amizade, saciar a fome, dormir, praticar esportes. Já o prazer moral invade o campo da sabedoria não material: a Ética (a ciência de suas próprias condutas), a Política (buscar o bem de todos), a virtude (ser sábio, além de inteligente). Essa dualidade da felicidade é cabível em uma das mais elementares discussões sobre um dilema humano: a mente e o corpo.
É um dilema complexo, porém, ele traz à luz uma ordem questionadora e reflexiva muito comum, a todos nós: ou a felicidade é trazida do corpo, ou ela é trazida da mente. Cabe dizer que essa dicotomia é muito difundida no Ocidente, está enraizada na cultura sistemática das nossas interações sociais. Portanto, torna-se complexo fugir dessa dualidade, visto que as os elementos, manifestações e núcleos culturais, comportamentais, sociais, cotidianos e políticos (no sentido de viver em ambientes públicos) estão diretamente ligados à busca por um prazer intelectual ou físico.
No entanto, a globalização trouxe uma ampliação das informações sobre outras culturas e outras formas de pensar. Livros, revistas, mídias sociais, e plataformas de inserção de vídeos e filmes ampliam, hoje em dia, as teias sobre o tema da felicidade. Diante disso, torna-se comum assistir a colegas, amigos e conhecidos que se aproximaram de uma filosofia Oriental, seja ela de derivação Nipônica, Indiana, Chinesa e até mesmo mediterrânea. No caso, um choque de realidade foi promovido por uma informação muito divergente, na mente dos ocidentais. Esse processo galgou uma reflexão profunda e um embate generoso entre ESTAR FELIZ OCIDENTAL (ter para ser) e o SER FELIZ ORIENTAL (ser em si mesmo). Parece abstrato, mas, é muito fácil de compreender a diferença.
Mesmo a frente dessa diferença, não cabe aqui nenhuma crítica ao modelo de buscar a felicidade, firmado pelas tradições gregas. Todavia, é necessário colocar em xeque a mercantilização desse modelo, a financeirização da busca pela felicidade através de uma prática que o Ocidente naturalizou a partir do século XX, e não a partir do surgimento da Filosofia Clássica (século V a.C.): o consumo. A distorção da busca pela felicidade, da vivência de um momento que poderia durar a eternidade e de conjuntos práticos desses momentos foi erroneamente sintetizada em consumir, comprar, ter, não mais entender, compreender e ser. Roupas, acessórios, livros são elementos que tornam a cultura atual apenas estereotipada, apenas vestida para dizer que se é feliz.
Isso já se torna possível quando se pergunta qual o contrário da felicidade, a um Ocidental, e ele dispara um tiro no próprio pé: a tristeza. Talvez esse seja o princípio básico para descontruirmos a noção que associa o consumo à felicidade e esta última a somente uma substância de nossa existência: ou corpo, ou a mente. A tristeza é o sentimento contrário da alegria. Parafraseando um filósofo chamado Baruch Spinoza (1632-1677), a alegria é a potencialização das vontades e atos de um ser, por si só. Ou seja, a alegria é uma virtude, sendo a tristeza a ausência dessa virtude. Sentimentos, puramente efêmeros, transitórios, que passam pela vida de todos, de forma constante. Do despertar matinal para o trabalho até a ceia, após um banho quente, antes do repouso, em um único dia, esses sentimentos flutuam em nossas almas.
E é justamente aí que reside a felicidade: a vivência desses momentos, em sua essência mais fiel a real. Ou seja, a felicidade é um estado permanente, de espírito, no qual o passado é suspenso, o futuro é deslocado de um objetivo prático e o presente se torna o instante supremo, a vida em si mesma, a existência por si só, o respirar profundamente e sentir, deixar fluir o que está ali sendo vivido. Um estado de equilíbrio, de experimentar o equilíbrio, sentindo um prazer que não anule corpo ou mente, mas que misture esses dois universos, transformando o SER em um TODO, em uma obra de arte, que desperta sensações no corpo e na mente.
Logo, ser feliz parece ser mais simplista, viver cada momento como se ele fosse único, com parcimônia, com moderação, entender a naturalidade de cada sentimento, compreender cada lição das falhas, enxergar cada horizonte das lágrimas, ser a mão estendida ao outro, viver as alegrias e tristezas como momentos saborosos, ricos de ensinamentos que não estão à venda, mas sim, estão em todo lugar, a todo instante, no presente, no agora, no breve, no simples, no respirar, no fluir, na leveza, que cada vez mais deveria ser insustentável, de tão grandiosa.
Escrito por:
Pedro Pires de Oliveira Neto - 4o.Kyu
Professor de História, Filosofia e Sociologia;
E no caminho da música e do Karate Do.
Pedro!
ResponderExcluirQue texto rico em detalhes da simplicidade que precisamos ter consciência para vivermos verdadeiramente cada momento de nossas vidas.
Fiquei muito feliz com a sua participação,espero novos textos!!