sábado, 6 de julho de 2019

Filosofando... 2

Streets of Poshina Town, India - Namaste by a 100-year-old woman - photo: Sara Levinson

Uma luz sobre o silêncio da ingratidão 

O ano era 2017, em 7 de fevereiro, uma noite quente do verão araraquarense. Saí de uma reunião de escola, no fim de tarde, e me dirigi à casa do Sensei Julio Mario. Eu ainda não era parte do Sanchin Dojo, mas o Sensei e eu tínhamos um grau de amizade que justificava as horas que conversávamos (e ainda conversamos) por um tempo ininterrupto. Nesse dia, conversando sobre sentimentos negativos, uma sentença foi dada: “Pedrão, se há algo que me incomoda, de forma única, nessa vida, é a ingratidão!”. Nesse dia, ampliei meu olhar sobre uma reflexão muito delicada: as inúmeras formas de ingratidão que as pessoas expõem. 

Falar de gratidão é remeter a um nobre conceito: educação. É possível enxergar a educação como um pilar na compreensão dos devidos direitos e deveres das pessoas, as liberdades e as limitações. Educação no sentido informal, aquela que é constituída no lar, na família, através das relações sociais mais afetivas. E a educação também se torna uma base sólida para o entendimento de agradecer ao outro. Ser grato não só de forma espiritualizada, religiosa, mas prática também: “bom dia!”, “obrigado”, “por favor”, “me desculpe”, “veja bem, podemos inverter essa negatividade” etc. 

A simplicidade da qual a educação se torna um gênero vívido de gratidão é a do cotidiano, através da gentileza, sutileza e reciprocidade. É tão gratificante compreender o outro e saber ser compreendido, em linhas gerais. No entanto, é grandioso dizer palavras simples que farão as pessoas se verem importantes, humanas, sóbrias e alegres. Essa troca de palavras simples que tocam a alma é a educação, sendo esta um pilar da gratidão. E ser grato é tornar o outro gratificado, dando vida a um sentimento gratificante: o respeito. 

Porém, o avanço das redes sociais e das inúmeras formas instantâneas de comunicação à distância nos leva a um problemático obstáculo: o “mundo líquido”. A filosofia traz uma reflexão sociológica acerca da liquidez das relações sociais: elas não têm formas racionais, sentidos racionais e são desfeitas de uma maneira muito rápida, como se não tivessem existido. Dentro dessa visão, podemos encaixar a ingratidão, ou seja, a ausência de uma racionalidade objetiva das relações cotidianas. 

E nessa angustiante liquidez, a empatia, a educação e a necessidade de desligamento entre as pessoas foram colocadas em um panorama delicado. A empatia e a humanização deram lugar a um desapego social pelo outro, sem precedentes, criando laços frágeis e inúmeros conflitos internos e doenças psicossociais. A educação foi reservada aos tablets e escolas, e não mais a uma tradição familiar, ao diálogo e ao respeito aos mais velhos. E, no geral, as relações humanas compreensivas e objetivas deram lugar aos aplicativos, que evitam, de certo modo, a aproximação real, que é composta por elementos bons e ruins, tais como o prazer de uma nova amizade somada a frustração de saber que ninguém é igual, que há diferenças até nas relações mais íntimas e puras, como amizade, namoro e parental. 

Em suma, observa-se um esvaziamento do sentimento de gratidão e de seus principais elementos. Dos mais complexos aos mais cotidianos, como está posto no início dessa reflexão. E se torna estarrecedor o olhar clínico sobre esse novo contexto, pois ele parece não ter solução. Diante disso, cabe uma premissa: o exercício da gratidão é conferido a um Eu verdadeiro, a um sentimento de pertencimento ao presente e ao agradecimento de estar vivo. Dentro das vontades humanas e das potencialidades existe um núcleo duro e milenar, inato ao Ser Humano: a capacidade de se organizar coletivamente. Logo, cabe ao universo humano a manutenção das relações mais simples, para depois atingir a complexidade de refazer a realidade: o respeito a si mesmo, o respeito às próprias limitações, o exercício de liberdade, a reflexão da própria consciência, e colocar todas essas formas de criação de ciclos positivos e racionais no outro. Pois é a partir de nós mesmos que o outro consegue se enxergar e vice-versa. A liquidez e a ingratidão gratuita, o silêncio, o desapego espiritual e o desrespeito à alma alheia não podem durar a eternidade. Nossa humanidade é mais forte que nossa reificação (capacidade de se tornar e tornar o outro um simples objeto). 


Escrito por:
Pedro Pires de Oliveira Neto - 4o.Kyu
Professor de História, Filosofia e Sociologia;
e no caminho da música e do Karate Do.








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